PROPOSTA CÊNICA
O grupo MPT, neste projeto, remete-se à mitologia grega para dançar e interpretar o mito de Orfeu e sua trágica viagem ao submundo em busca de sua amada, Eurídice. O espetáculo “ORFEU – Sem Você, Meu Amor, Eu Não Sou Ninguém” é encenado por atores com aprimoramento em elementos específicos de Teatro-Físico e desenvolvimento na prática da Dança de Salão. Partindo desta premissa, o grupo começou a pesquisar o mito de Orfeu nos mais diferentes suportes como a dança moderna, literatura, cinema, música, histórias em quadrinhos e teatro.
Vinícius de Moraes
Desta pesquisa, elencamos do poeta, compositor e dramaturgo, Vinicius de Moraes, que em 2013 completaria 100 anos de existência, a obra “Orfeu Negro”. Nesta adaptação do mito de Orfeu, Vinicius trouxe a história para os cenários cariocas, o morro o samba e o carnaval. De Vinicius, ficou na nossa peça a essência carnavalesca e afro; os sons de berimbaus e atabaques; a gafieira e a dança de salão; o título, homenagem ao poema “Samba em Prelúdio” e uma grande figura que deu a tônica de toda a peça: A personagem MIRA. Na obra de Vinicius MIRA é abandonada por ORFEU porque este havia se apaixonado por EURÍDICE e seu drama passa a ter pouca importância no desenrolar da peça. Vinicius prefere focar a história no amor romântico entre Orfeu e Eurídice. Na nossa proposta demos uma atenção especial a esta personagem e nos questionamos sobre até onde uma pessoa pode chegar por amor. O sofrimento e as ações de MIRA justificam seus atos? Desta maneira MIRA passa a ser quase uma anti-heroína que luta pelo amor de ORFEU e carrega, como nas tragédias gregas, o momento que desencadeia a ação trágica, levando ORFEU ao submundo e por fim, a sua morte.

As fúrias e o coro grego
A tragédia grega teve sua influencia ao colocarmos o coro em diversas cenas ajudando na narração. As Fúrias, as Carpideiras, os Demônios, foram explorados como recurso narrativo. A construção das personagens FÚRIAS segue esta proposta andando, falando e
seguindo juntas por toda a peça. Estas personagens começam como mulheres do morro, amigas e cumplices de MIRA.
Espíritos vingativos nascidos do caos que vão desestabilizando MIRA com fofocas e artimanhas, levando-a matar Eurídice. À medida que a tragédia se anuncia, vão adquirindo suas verdadeiras formas monstruosas culminando na cena final que estraçalham ORFEU matando-o enquanto MIRA observa sem poder reagir. Durante a peça as maquiagens das atrizes iam borrando levemente até que na cena final, estavam literalmente desfiguradas simbolizando, deste modo, suas verdadeiras faces.
Dois Orfeus e Deus ex-machina
Outra escolha foi trabalhar com dois Orfeus em cena. Simbolicamente poderíamos dividir a peça em dois planos distintos. O Orfeu do morro, mais perto da obra de Vinicius e o Orfeu Mítico, que desce ao submundo e enfrenta o próprio HADES para resgatar sua amada Eurídice. A dualidade do personagem é demonstrado também entre o desejo carnal por MIRA e o amor romântico e idealizado por EURIDICE. Um ser atormentado e fragmentado em constante conflito interior. Na cena de transição entre os dois “mundos”, os Orfeus se encontram e se reconhecem. Neste instante, são ajudados por um Deus ex-machina (Uma corda que desce dos céus e os conecta) ajudando-os a descer ao submundo. Esta mesma corda, ligando os dois Orfeus, protege ORFEU dos Demônios e do próprio HADES, mas também impede que ORFEU resgate Eurídice. A possibilidade de trabalhar com dois “Orfeus”, abriu margem para muitas leituras e estimulamos o elenco a deixar em aberto isso. Durante as apresentações muitas teorias foram levantadas pela plateia como Alma x corpo ou fragmentos da mesma consciência Id x Superego.
As máscaras
Uma das técnicas trabalhadas durante o processo de ensaio foi à máscara neutra, marca registrada do grupo. Foi preparada uma cena especificamente para os DEMÔNIOS, guardiões do submundo e subalternos ao HADES. As máscaras foram idealizadas para destacar o caráter sobrenatural e bizarro, além de uniformizar os “seres”. As máscaras se destacaram pelo uso de luz negra criando efeitos interessantes e surreais.
Neil Gaiman e Hades
Neil Gaiman é um dos mais influentes escritores da atualidade. Criador do ícone dos quadrinhos, o personagem Sandman. Em uma de suas histórias, Sandman desse ao Inferno para tentar resgatar uma pessoa que ele amou e que havia sido condenada ao tormento eterno. Chegando lá enfrenta o senhor do inferno, Lúcifer, e é obrigado a passar por um desafio. Essa história, claramente influenciada pelo mito do Orfeu, serviu de base para criarmos HADES e seu “mundo”. Um HADES cínico, boçal, arrogante e superficial. Do Sandman aproveitamos os diálogos do “desafio” formado por charadas. Como um bizarro show de stand-up, HADES e ORFEU se enfrentam até as últimas consequências.
Sonoplastia e Iluminação
Um elemento que foi muito importante durante a encenação foi à musicalidade. As músicas, meticulosamente selecionadas, possuíam papel fundamental, pois conduziam a narrativa do espetáculo. Era a música e o corpo dos atores que contavam a história. Desde os primeiros ensaios a música era presente ajudando nas improvisações e dando o tom do espetáculo. Dos artistas que selecionamos, o destaque foi para o compositor francês Rene Aubry, autor de um estilo musical contemporâneo, melancólico e estranho, encaixando perfeitamente na proposta do espetáculo. Outras referências foram alguns sambas clássicos como “Você abusou”, dos compositores Antônio Carlos e Jocafi, interpretado na voz de Maria Creuza, tema da personagem MIRA e “Sufoco” de Alcione, para a cena do Baile de Carnaval, quando ORFEU encontra pela primeira vez EURÍDICE. Vinicius com “Samba em Prelúdio” canta no prólogo da peça: – Sem você, meu amor, eu não sou ninguém… Na cena final prestamos uma homenagem a Gluck, compositor e criador da Opera Orfeu e Eurídice. Chama-se “As fúrias” e nos pareceu adequado usar esta música no momento que as FÚRIAS atacam ORFEU e o matam. A iluminação foi planejada para um palco italiano. Era pontual, deixando espaços escuros propositalmente além de contrastes e contraluzes. Seguindo o conceito dos “Dois Orfeus”, a luz segue a divisão em dois atos. O primeiro, mais amarelo, avermelhado, quente onde as paixões são mais humanas e carnais e depois, no ato final, mais azulado, frio, morto e triste como o submundo onde HADES vive. A luz buscava deformar a visão e ampliar o ar mítico e estranho, causando estranhamento na plateia.
Figurino
Nossa referencia principal foram os filmes do cineasta Tim Burton. A morbidez e cores com pouca vivacidade eram predominantes. Roupas sem acabamento (desgaste da vida, das relações). Seguindo a ideia da desconstrução dos personagens o figurino ia de desfazendo, desmanchando a medida que a história ia se desenrolando. O figurino da Mira tinha cores vivas representando o fogo, paixão e todas suas emoções intensas. Por ser também uma fúria usa as mesmas cores das outras, preto e vermelho. As fúrias usavam vestido preto com forro vermelho. O vermelho do forro surge escapando estrategicamente em alguns momentos, representando a personalidade sedenta por sangue que sempre deixam vir a tona. As pontas representam suas asas, garras, sua selvageria juntamente com o cabelo e a maquiagem. A Eurídice, oposto de Mira, tinha como elemento primordial a água. Sua personalidade era calma, serena e por isso a cor predominante de seu vestido era o azul. O corte do vestido representava seu romantismo, leveza de ser, porém sensual pois deixava evidente sua pele.